Lucia Bianchi: uma vida dedicada a Universidade Estadual de Maringá

São os bons momentos dentro da UEM que a fazem lutar, todo dia, pelo ensino, pela ciência e pelos direitos das mulheres

O jeito que Lucia Bianchi fala sobre seus antepassados remete à música de Chico Buarque, “Paratodos”, de 1993. Assim ela fala sobre a família: “eu sou maringaense, meu pai era mineiro e minha mãe é de São Paulo”. Da mesma forma que o compositor cita, na letra, pessoas importantes que o influenciaram na vida e na profissão, Lucia comenta sobre o pai, Reynaldo Costa, mineiro, de São Sebastião do Paraíso. Ele foi pioneiro em Maringá e trabalhou como desenhista gráfico, atuando por mais de 40 anos no setor de criação da Cooperativa Agroindustrial de Maringá (Cocamar). 

Mas o pai de Bianchi não foi importante apenas para a cooperativa. Foi o senhor Costa quem criou o logotipo da Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde Lucia trabalha. Além do brasão e da bandeira do município de Maringá. Se Chico Buarque o conhecesse, arrumaria um lugar para o nome de Reynaldo em “Paratodos”.

Lucia, a filha mais velha de três do desenhista, conta a história do pai com muito orgulho. Não compôs, porque não é Chico, mas honra a vida do senhor Costa e de toda a família de outras formas. A primeira, espalhando a história do pioneiro. A segunda, morando no mesmo local, exatamente no mesmo terreno, desde o momento em que nasceu até hoje. E terceira, estudando e formando no curso de Letras da UEM e trabalhando na mesma universidade por quase toda carreira profissional. As outras duas filhas de Reynaldo também se formaram ali, uma em Zootecnia e a outra em Engenharia Civil.

Atualmente, Lucia é secretária da Assessoria de Comunicação Social (ASC), da TV UEM e da Rádio Universitária. Nesse cargo, está há 20 anos, mas, na universidade, trabalha desde o dia 7 de abril de 1993, como ela mesmo lembra, com uma ótima memória. No primeiro dia de trabalho, ela foi encaminhada para o Departamento de Administração (DAD) e, em seguida, para a Divisão de Recrutamento e Seleção (RES). Foram quatro anos na RES, quatro na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC) e, em 2002, foi para a ASC. Nos 5 anos entre o dia de sua formatura e o começo do trabalho na universidade, Lucia deu aula nos colégios Gastão, Vital Brasil e Paraná, todos de Maringá.

Lucia Bianchi (ASC/UEM)

Ela fala que a Assessoria da UEM é chamada, carinhosamente, de “Corpo de Bombeiros”, porque, ali, os funcionários vivem “apagando fogo”. E essa brincadeira já vinha desde antes da pandemia! Nos últimos dias de trabalho de 2019, logo após uma greve, ela lembra que todos foram tirar foto em frente ao prédio da ASC e alguém disse: “tomara que 2020 seja mais leve”. Mal sabiam eles.

Pandemia

“Eu nunca me esqueço, dia 16 de março de 2020, a gente estava trabalhando e veio a bomba da pandemia. A gente não sabia se ficava ou não, não sabíamos o que fazer. De antemão, havia um acordo de que a ASC não iria parar. A gente trabalhou de domingo a domingo. Tinha dia que ia até 23h, a gente trabalhava no sábado, no domingo, as coisas explodindo, o negócio acontecendo, era força-tarefa. Foi uma loucura”, relata Lucia, os primeiros dias de trabalho em lockdown.

Uma das primeiras medidas foi montar e divulgar o WhatsApp de transmissão da universidade. Alguns programas da Rádio e da TV, como o Café na Reitoria, tiveram que ser adaptados para lives do YouTube. Naquele mesmo ano, a universidade comemorava os 50 anos de existência e as homenagens e comemorações já estavam planejadas. Tudo precisou, da noite para o dia, ser readaptado: congressos, formaturas, eventos e homenagens agora seriam realizados de forma remota.

Com a pandemia, começaram a surgir fake news em uma quantidade muito maior do que já acontecia. Muitas vezes, a mentira era tão absurda que a equipe não sabia nem como responder. Uma onda de mentiras que tentavam colocar a ciência em xeque. Essa descrença no ambiente acadêmico e na ciência mexeu com a UEM e todos os cientistas, professores e funcionários da instituição, em pleno século XXI. E não só dentro da Universidade. Lucia também teve que passar por isso na vida pessoal. Quando se pronuncia em grupos de WhatsApp ou fora do aplicativo, as pessoas dizem que “é o pessoal da ciência vindo contestar”.

Naquele mesmo terreno que a família Costa morou, hoje, tem um prédio. No nono andar, a secretária da ASC mora com o marido, que sofre de problemas de saúde, as duas filhas, de 15 e 18 anos (uma delas com asma), e com a mãe, com mais de 70 anos e hipertensa. Como ela ficou menos de dois meses trabalhando de forma remota e logo retornou a frequentar a UEM, os cuidados ao voltar para casa no fim do expediente eram repetidos todos os dias e com muito rigor. “Eu entrava em casa e já deixava tudo na área de serviço, colocava de molho, álcool gel dos pés à cabeça e ia direto para o banho”, relata Lucia.

Mas para ela, o pior da pandemia, tanto na vida profissional, quanto na vida pessoal, foi o início de 2021. Em fevereiro, oito pessoas da assessoria foram positivadas, o que fez com que praticamente tudo centralizasse nela. Nesse mesmo período, as hospitalizações e mortes por Covid-19 aumentaram. Na universidade foi montado o site Memorial de Vítimas da Covid-19 na UEM. Lucia relata o período como um dos piores. Em alguns dias, chegavam três ou quatro nomes de funcionários da universidade que tinham falecido, para que o pessoal da ASC colocasse no site. A maioria, pessoas que ela tinha conhecido nos 29 anos de trabalho lá dentro. Foram dias de pouca esperança: “Naquele momento, parecia que a gente nunca ia sair do olho do furacão”, lembra Bianchi.

Além disso, muitos familiares e amigos foram internados, alguns, inclusive, tiveram que ficar na UTI. O marido, as filhas e a mãe de Lucia, quando positivaram, não tiveram sintomas preocupantes. Mesmo sem parar de trabalhar, Lucia só pegou Covid no começo de 2022, quase dois anos depois da pandemia. Depois do período de isolamento, com o teste negativado e ainda de férias, ela teve que voltar ao trabalho, para ajudar na organização de uma entrevista coletiva com o reitor. O trabalho estava longe de acalmar.

Quando precisava fazer reuniões de urgência, em casa, durante a noite, Lucia tomava muito cuidado para não “dar um bola fora”, como acontece ainda hoje e se tornam virais na internet. Ela ia para o quarto, colocava o fone e sentava encostada na parede, para que ninguém da casa conseguisse passar atrás. Foi difícil, mas como ela mesmo disse “a gente sobreviveu e acho que todo mundo tem um doutorado nessa situação, atualmente.”

Durante os 29 anos na instituição, o ânimo de Lucia bambeou em alguns momentos mais difíceis, momentos em que o “fogo” parecia que nunca iria pagar, entretanto, ela nunca deixou que isso a abalasse. Mas, infelizmente, algumas situações deixaram lembranças horríveis na memória dela: “Por ser mulher, enfrentei muita coisa quando entrei na UEM, até assédio. Coisas que docentes e alguns outros funcionários falavam pra gente. Cheguei várias vezes chorando em casa. Tem muita gente boa aqui dentro, que foram testemunhas de algumas dessas situações e me ajudaram muito. Mas, hoje, estamos em pleno século 21 e nada mudou”, relata a secretária.

Bianchi destaca o preconceito e o machismo, que, lamentavelmente, são comuns em praticamente todos os locais, dentro e fora da vida profissional das mulheres. “As pessoas subestimam a gente. A sociedade desacredita da nossa capacidade de ocupar determinado cargo, mas te dá a função e o mundo cobra que você tem que fazer, porque, se a gente não faz, ainda vão dizer que não fez porque é mulher”, desabafa Lucia. 

Essa imagem da UEM é o oposto da imagem que Lucia tinha da universidade na infância, quando ia a casa da tia e brincava no cafezal, onde hoje é a Rua Antônio Marim, ao lado do câmpus, ou quando brincava e andava de bicicleta dentro da universidade, junto com o pai. São essas boas lembranças que ela carrega e que, ao lado de todos os colegas da instituição, a fazem lutar, todo dia, pelo ensino, pela ciência e pelos direitos das mulheres. O trabalho de Lucia dentro da UEM vai muito além de “apagar o fogo” do dia a dia. 

Atualmente, a maringaense lembra de tudo que a marcou, positivamente, na UEM, durante toda sua vida. Lembra, inclusive, do dia que começou a trabalhar na instituição e viu pessoas com 10 ou 15 anos de carreira ali dentro e pensou que não chegaria a tanto tempo assim, como elas. Mas, hoje, com 29 anos dedicados à Universidade Estadual de Maringá, ela deseja, quase como em uma prece. “Vou me aposentar aqui, se Deus quiser”.

Lucia, de branco, ao lado da irmã do meio (Arquivo pessoal)

Confira a quarta temporada do podcast “Donas da ciência”, e ouça a história da Lucia contada por ela mesma

Donas da Ciência – T4 E3 – Lucia Bianchi da Costa Conexão Ciência C²

Lucia Bianchi da Costa expõe sua história, contando sobre como chegou na Universidade Estadual de Maringá, trabalhando como secretária executiva na Assessoria de Comunicação Social da Universidade.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Arte: Murilo Mokwa
Revisão: Ana Paula Machado Velho
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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