Angústia e resiliência em dias de COVID-19

Pesquisadores da UEM participaram de estudo internacional, com grupos de Israel e Filipinas, sobre angústia e resiliência durante o período pandêmico

Não costumamos ouvir notícias sobre a saúde mental dos atletas de alto nível, nem mesmo enquanto participam de Olimpíadas, com o peso de toda uma nação nas costas. No máximo, nos perguntamos como uma menina como a nossa Fadinha do Skate, Rayssa Leal, com apenas 13 anos, vai lidar com essa popularidade gigante e repentina que as Olimpíadas de Tóquio de 2020 lhe trouxe. Criamos, inclusive, teorias de que a birra da criança Neymar pode ser resultado de todo o mimo que o mundo lhe faz. São esses e tantos outros questionamentos sem fundamento que fazemos sobre o assunto, mas são apenas especulações de “torcedores-treinadores-palpiteiros”, sem discussões aprofundadas.

Porém, o grande nome da ginástica artística mundial, Simone Biles, de 24 anos, trouxe para essa mesma Olimpíada de Tóquio, a discussão sobre a saúde mental dos atletas. Ao deixar a final individual geral da ginástica pelos Estados Unidos, Simone desabafou nas redes sociais:

“Não foi um dia fácil ou o meu melhor, mas consegui superá-lo. Eu realmente sinto que, às vezes, tenho o peso do mundo sobre meus ombros. Eu sei que eu ignoro e faço parecer que a pressão não me afeta, mas, às vezes, é difícil! As olimpíadas não são brincadeira.” Além do peso de um país, também podemos colocar na balança carregada por Biles a ansiedade e a angústia em um ano pandêmico de incertezas sobre a realização ou não dessa olimpíada.

Alguns estudos já demonstraram que atletas de alto nível, que se preparam física e mentalmente para diversas competições nacionais e mundiais, possuem uma resiliência individual maior que a de outras pessoas não atletas. Ou seja, ao sofrer um estresse, como uma lesão ou uma derrota, os atletas, em geral, têm uma maior facilidade de se recompor e voltar ao estado emocional normal. E, além disso, conseguem agir de forma mais racional durante esse período estressante, vivendo e trabalhando o mais próximo do normal possível.

Segundo o professor do Departamento de Administração, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, Maurício Reinert, o conceito de resiliência nasceu na Física e as Ciências Sociais e a Psicologia o levaram para outras áreas, acrescentando outras possibilidades de interpretação, como ele explica no vídeo abaixo.

Relacionados a esses conceitos, podemos pensar em alguns outros: senso de perigo e sintomas de angústia, ambos relacionados à resiliência. Eles falam sobre a sensação que o indivíduo tem em um evento de adversidade e como ele encara esse momento. Angústia se refere a um estado de excitação causado por antecipações, sinais ou representações de perigo físico ou ameaça psíquica. Então, quanto maior a angústia, maior a dificuldade que se tem para encarar a adversidade. Já o senso de perigo se refere à reação de um indivíduo quando se sente atacado ou está em uma situação perigosa ou arriscada.

Angústia e resiliência na pandemia

No começo da pandemia da Covid-19, ainda em 2020, cientistas brasileiros, juntamente com outros cientistas filipinos e israelenses, pesquisaram a relação de bem-estar e resiliência individual, comunitária e nacional e como eles afetam os sintomas de angústia e senso de perigo nos países dos pesquisadores envolvidos, levando em conta o contexto pandêmico. A pesquisa recebeu o título “Angústia e resiliência em dias de COVID-19: estudo internacional de amostras de Israel, Brasil e Filipinas”. 

Além dos conceitos já explicados acima, a medida de bem-estar foi baseada em uma escala que mede a recuperação de situações de guerra. Dessa forma, o bem-estar pode diminuir o senso de perigo e os sintomas de angústia.

“A principal motivação para entrarmos nesse projeto foi tentar ajudar de alguma forma essa situação pandêmica da Covid. O que eu posso fazer para contribuir para esse processo”, questionou o professor Reinert, que realizou o trabalho com dois outros professores da UEM: Fabiane Verdu e Juliano da Silva.

O estudo, portanto, foi a forma que Maurício e todos os outros professores encontraram de participar e contribuir com o que cada um tem de experiência em pesquisa, para ajudar e gerar mais conhecimento sobre o período que o mundo todo passa, enfrentando a maior pandemia já vista nos últimos cem anos, após a Gripe Espanhola.

Esse tipo de pesquisa, avaliando esses mesmos conceitos na população, é feito há algum tempo por Israel, um país com uma longa história relacionada a adversidades e guerras. O grupo do Oriente Médio, comandado por Shaul Kimhi, já havia publicado uma série de artigos e feito algumas pesquisas sobre resiliência, mas procurava parceiros para fazer uma pesquisa internacional.

Os três países apresentam diversas semelhanças e diferenças que tornam essa comparação interessante. Maurício citou algumas delas: o Brasil teve poucas guerras em seu território, comparado com Israel; Brasil e Israel possuem uma cultura ocidental, ao contrário da cultura oriental das Filipinas; as três nações, atualmente, são governadas por personagens conservadores de partidos de direita e estão longe de dizer que possuem estabilidade política.  

“São países que não são do eixo Europa-EUA, não estão no topo e não são completamente desenvolvidos, mas têm, em certo sentido, compatibilidades econômicas e algumas diferenças religiosas interessantes”, explica Reinert, graduado e mestre em Administração, com doutorado em Administração de Empresas.

A coleta de dados foi realizada a partir de um questionário com escalas de respostas em que o indivíduo se auto avalia. Antes da coleta, houve um árduo trabalho de desenvolvimento, tradução e adequação das escalas e questionários, que devem ser compatíveis nos três países. Depois de passar pelo Conselho de Ética da UEM, e dos respectivos conselhos de cada país, os questionários foram aplicados durante 15 dias, no fim de maio e começo de junho de 2020. 

No Brasil, foram quase 600 entrevistados. Apesar da amostra não ser considerada estatisticamente representativa, por ter sido coletada pelas redes sociais, é considerada ampla, com pessoas de todas as regiões do país e de diversos estados brasileiros.

Nos resultados obtidos, um ponto importante pode ser ressaltado: a baixa média brasileira em resiliência nacional ficando com a menor média entre os três países, mais de um ponto abaixo de Israel, o qual tem a segunda média mais baixa. Segundo Reinert, essas diferenças das médias em resiliência nacional poderiam indicar um maior descrédito e falta de confiança do brasileiro em relação ao governo e às instituições nacionais.

Já nas variáveis que indicam efeitos adversos da pandemia nos indivíduos, o Brasil apresenta a maior média em sintomas de angústia e a segunda maior média em senso de perigo. Para Maurício, os resultados obtidos são esclarecedores sobre a situação do Brasil frente à pandemia, já que o país apresenta algumas diferenças significativas em relação aos resultados de Israel e Filipinas, mesmo que tenham governantes com características próximas aos dos governantes brasileiros.

Resultados da pesquisa “Angústia e resiliência em dias de COVID-19”

Como reagimos?

🎧 A psicóloga Amanda Rainha nos explica a forma como a reação em situações estressantes depende da interação entre fatores biopsicosociais em cada ser humano, e como experiências ou situações traumáticas podem influenciar a forma como cada pessoa reage diante de novas (ou semelhantes) situações.

Fátima Pavan, também psicóloga de orientação psicanalítica e atuante em Maringá, diz que o estudo analisa um tema interessante para a sociedade, especialmente no momento em que o Brasil soma quase 600 mil mortos pela Covid-19. “Promover saúde mental é um dos aspectos que devem ser considerados para o desenvolvimento de um país, já que está presente direta ou indiretamente em todos os aspectos da atividade humana, bem como nas relações com o meio”, explica Fátima.

A psicóloga também esclarece que o senso de perigo estudado na pesquisa, muitas vezes, se transforma em uma patologia e o nível de sofrimento psíquico pode levar à angústia, que impede o indivíduo de pensar, comprometendo todas as suas relações, passando a ser não só uma patologia individual, mas também social. Ela ainda menciona que o sofrimento psíquico alcançou números assustadores durante a pandemia. Portanto, a implantação de mecanismos sociais, que visem assegurar um espaço para que as pessoas suportem atravessar esses períodos de angústia, ela considera vital.

E completa: “estudos como esse possibilitam pensar a sociedade não só de forma imediata, mas também de forma a fomentar programas de inclusão social e saúde mental, que permaneçam de forma preventiva e continuada”.

Como explica a psicóloga Amanda Rainha, todas as políticas de saúde mental são utilizadas como uma forma de desenvolver as resiliências comunitária e nacional. São políticas voltadas para acolhimento, desenvolvimento de ações e promoção de saúde mental, psicoterapia individual e em grupo, grupos de apoio e intervenções terapêuticas coletivas. 

Essas políticas oferecem amparo ao indivíduo, que favorece um melhor desenvolvimento das suas características psíquicas (ou recursos psíquicos). Pelo fato de tais características serem constituídas dentro de um contexto social e pela história de vida de cada pessoa, o desenvolvimento consequentemente ocorre em recursos de uma comunidade e de uma nação.

O mesmo raciocínio pode ser utilizado quando pensamos em políticas de ajuda financeira, como apontado pelo estudo: “(ajuda financeira) pode não servir apenas como proteção econômica, mas também como uma rede de segurança psicológica para prevenir futura deterioração psicológica e física.” O “Auxílio Emergencial” adotado no Brasil, portanto, ao ajudar economicamente uma pessoa ou uma família, torna-se um amparo para que seja possível desenvolver recursos psíquicos necessários para suportar o período de isolamento e crise econômica.

Da mesma forma, torna-se fácil entender porque as mulheres aparecem como as pessoas mais vulneráveis no estudo do professor Maurício, apresentando maior senso de perigo em Israel e Filipinas, e mais sintomas de angústia nos três países. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de 11 milhões de mães solo no Brasil, sem o “Auxílio Emergencial” ou qualquer outro auxílio do governo, suportando jornadas triplas e sem estrutura necessária para cuidar do filho. Além da violência de gênero, que afetou, no último ano, 25% das mulheres acima dos 16 anos no Brasil.

Para Fátima Pavan, oferecer condições para que a mãe, de forma segura, possa cuidar de seu bebê, é uma importante ação de investimento em saúde mental de forma preventiva.

Quando o pesquisador Mauricio diz que os resultados “são esclarecedores sobre a situação do Brasil frente à pandemia”, tendo índices piores em relação às Filipinas e Israel, podemos supor diversas situações. Ao gerar insegurança sobre as vacinas, ao negligenciar o Auxílio Emergencial, causando desamparo econômico, e ao criar desinformações sobre diferentes esferas de poderes do país – entre tantas outras atitudes nocivas -, o governo brasileiro também impede que as pessoas e, consequentemente, toda a nação desenvolva recursos para suportar a pandemia e a capacidade de construir uma vida após esse período. E causa a morte de mais de 560 mil pessoas.

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Rafael Donadio
Edição de áudio: Rafael Donadio
Roteiro de vídeo: Karoline Yasmin
Edição de vídeo: Karoline Yasmin
Supervisão: Ana Paula Machado Velho
Imagens: Arquivo Pessoal e material de pesquisa
Arte: Murilo Mokwa

A pesquisa que mencionamos contribui para os seguintes ODS:


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