Ciência na Feira: conhecimento no parque de exposições

Informação científica vai até o público em meio a atividades de entretenimento

Milho safrinha. Quando eu cheguei a Maringá, no noroeste do Paraná, vinda do Rio de Janeiro, essa expressão tirou o meu sono. O motivo? Tinha que dar conta de fazer uma reportagem sobre o investimento público na produção de milho, aqui na região. Para mim… infelizmente, naquele momento, milho era um produto vendido em latinhas… não tinha a mínima ideia do que perguntar para o superintendente do Banco do Brasil, que me aguardava na sede regional da instituição financeira, em Maringá.

Morro de vergonha de pensar nessa história, mas é preciso contá-la, agora, como forma de fazer você entender a importância da ciência, seja ela feita em laboratório ou desenvolvida na vida real, no campo. Era jornalista carioca e, pela minha distância com a zona rural, não tinha nenhuma informação de como ocorria o plantio de espécies tão importantes para a nossa economia.

Entrei na sala do senhor Sidney Senhorini. O superintendente do BB na região, naquele ano de 1996. Fui recebida com a maior atenção e tive que confessar que não tinha ideia do que era o tal do milho safrinha. O gestor riu, pediu que fosse servido um café e ficamos duas horas conversando. Ele me contou que a produção de milho sobre a qual estávamos falando era chamada de safrinha, porque era feita entre o plantio das “grandes” culturas da região: a soja e o trigo. O milho, de crescimento mais rápido, serve não só para ser comercializado, mas para funcionar como elemento de rotatividade. O “corpo” das plantas é deixado nos campos, depois da retirada das espigas dos pés, na colheita, fertilizando as plantações e garantindo a qualidade do solo.

Plantação de Milho (Reprodução/Blog Aegro)

Fiquei maravilhada com tanta informação técnica. Isso é ciência, pessoal, que move a produção e a economia de um lugar e a gente nem se dá conta. Agradeci muito ao superintendente com quem não consegui mais contato para essa matéria, porque ele se aposentou e foi morar longe de Maringá. 

Essa história toda serve para reforçar o que a gente vem dizendo aqui, há algum tempo, no C²: o desenvolvimento científico e tecnológico transforma o nosso dia a dia e as relações humanas, trazendo impactos na vida do homem e do planeta. Todavia, a grande maioria da população permanece sem saber muito ou nada deste conhecimento. Aliás, muita gente não consegue perceber o que é ciência, suas aplicações e implicações. 

Por isso, a popularização da ciência e da tecnologia deve ser meta social, política e cultural, já que é ferramenta para a democratização dos saberes e das descobertas da humanidade. Nesse cenário, a divulgação científica é um dos caminhos para incentivar e promover o interesse da população em geral para o conhecimento científico e para a formação de cidadãos que possam operar nestes campos e, especialmente, tomar decisões em relação a estes temas.

Divulgação científica

Há quem defenda que ações de popularização de ciência e tecnologia estão entre as mais importantes iniciativas de inclusão social, já que “contribuem para a alfabetização científica da população em geral e, consequentemente, ajudam a superar problemas concretos, tornando os indivíduos aptos a resolverem dificuldades básicas da vida cotidiana e se tornarem mais atentos aos fenômenos da vida e à ciência”, destaca a pró-reitora de Extensão e Cultura da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Débora de Mello Sant’Ana, que acrescenta que a divulgação científica é também conhecida por vulgarização, difusão e socialização da ciência, entre outros termos.

Débora de Mello Sant’Ana (ASC/UEM)

Para a professora de Anatomia e ativista na área da divulgação científica, é essencial entender que os avanços científicos e tecnológicos podem alterar a realidade atual e moldar o futuro da nossa espécie. Isso torna fundamental a maior participação da sociedade nas agendas de tomadas das decisões políticas, científicas, tecnológicas e de inovação. “Mas esse aumento da participação da sociedade só pode acontecer, de verdade, com a popularização do conhecimento, com a garantia de circulação de informação”, esclarece.

A professora Débora lembra que vários pesquisadores vêm escrevendo sobre a importância da popularização da ciência por meio da educação não formal, fora da escola, de modo complementar ao ensino formal. Essas ações não formais acontecem em diferentes espaços, trabalhando na união entre as áreas da ciência, da cultura e da sociedade. “Neste sentido, é importante que elas aconteçam em ambientes de participação popular e sob o crivo do diálogo com os movimentos característicos de cada cidade ou região”.

Conversando com a Beatriz Kruse, estagiária de Letras, da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC/UEM), ela lembrou que, certa vez, leu uma declaração curiosa do professor e químico Attico Inacio Chassot, autor do livro “Alfabetização Científica: questões e desafios para educação, da Editora Unijuí. Ali ele define o pensar científico como “o conjunto de conhecimentos que facilitam aos homens e mulheres fazerem uma leitura do mundo onde vivem”, o que vem ao encontro da declaração da pró-reitora Débora. Bea lembra que “esse mundo está conosco o tempo todo, até quando não estamos na escola ou num museu ou em lugares especializados em educação. O mundo da ciência está presente no cotidiano e até no entretenimento”. 

A presença de exposições de cunho educativo em feiras culturais ou até mesmo shoppings, possibilita que pessoas de todos os tipos, até aquelas que não procuram pelas ciências, tenham contato com o conhecimento científico. 

“Aprender o modo de como as tecnologias e inovações funcionam ou como foram desenvolvidas é essencial no mundo de hoje, onde recebemos todo o material já pronto. Por isso, é necessário que cientistas e todos os apaixonados pela ciência levem o saber de forma descontraída e descomplicada a qualquer tipo de público, em qualquer tipo de espaço”, disse Bea. 

Diante de tantos desafios questionamos: quem são os profissionais aptos, competentes para realizar esta grandiosa missão? A resposta certamente envolve o papel das universidades públicas na formação de profissionais capacitados e comprometidos com as práticas de divulgação científica. Mas estas instituições também devem estar envolvidas no desenvolvimento de ações diretas e práticas para a população em geral, em espaços acessíveis como se disse acima.

A UEM, por exemplo, participou da Feira Agropecuária de Umuarama, a Expo Umuarama, no mês de março de 2022, no parque de exposições da cidade paranaense. O Centro Acadêmico Umuaramense de Agronomia, juntamente com a Consultoria Agronômica Junior (CAJ), do curso de Agronomia, realizaram apresentações dos laboratórios de Entomologia, Irrigação, Horticultura, Solos e Fisiologia Vegetal, além de demonstrações de práticas sustentáveis de conservação do solo e da água. 

O Departamento de Meio Ambiente se uniu à empresa júnior Preservares Consultoria Ambiental e mostraram inovações tecnológicas relacionadas às tecnologias limpas, como a energia solar e eólica. Teve também a apresentação de uma cidade sustentável, onde se destaca a importância do saneamento básico, áreas verdes urbanas e ciclovias, que facilitam a mobilidade.

A direção do Câmpus do Arenito, em Cidade Gaúcha, expôs mudas de algumas das principais espécies de árvores nativas da região, cultivadas nos viveiros da instituição, que chamou a atenção dos visitantes. “Foram contados mais de seis mil visitantes, dentre alunos de escolas, universidades e público em geral, tornando a participação da UEM e a própria feira um grande sucesso”, informou o diretor do câmpus de Umuarama da UEM, que elogiou, ainda, o empenho da comunidade acadêmica na divulgação da ciência: alunos, professores e técnicos.

Expoingá: economia e ciência

Agora, a UEM estará na 48ª Exposição Feira Agropecuária, Industrial e Comercial de Maringá (Expoingá 2022), megaevento que ocorre de 5 a 15 de maio, no Parque Internacional de Exposições Francisco Feio Ribeiro, em Maringá.

A Feira é um evento muito importante para a história do município. Antigamente, chamada de Expofemar, teve a primeira edição em 1972 e, naquela época, era organizada pela prefeitura da cidade. Até que, em 1979, após a criação da Sociedade Rural de Maringá (SRM), a nova entidade passou a cuidar da realização do evento.

Desde então, a Expoingá é uma vitrine que exibe o que existe de mais moderno no mundo agropecuário para os produtores da região e discute pautas relevantes da área, democratizando o conhecimento com os cidadãos maringaenses. Esse conhecimento diz respeito, e muito, à ciência, à tecnologia e à inovação.

Foto aérea da Expoingá

A UEM participa da Feira há tantos anos que não conseguimos definir ao certo para registrar neste texto… A Universidade contribuiu com a divulgação de conhecimento em diversas atrações da iniciativa, que abrangem diferentes áreas, não só a Agronomia e a Zootécnica. 

Segundo o professor da UEM Ednaldo Michellon, engenheiro agrônomo e ganhador do Prêmio Paranaense de Ciência e Tecnologia, na categoria Pesquisador-Extensionista, em 2016, as exposições do tipo da Expoingá existem há muitos anos. Mas foi obra dos profissionais da área de Extensão Rural a criação e divulgação de muitas delas, nas últimas décadas, especialmente no Brasil. Para ele, esses eventos são uma forma de ampliar a divulgação de uma série de tecnologias, raças de animais e inovações nas mais diferentes áreas ligadas ao agronegócio para as massas, porque atingem uma grande quantidade de pessoas.

No vídeo abaixo, você aprende mais sobre o que é agronegócio:

“A nossa Expoingá, além deste caráter massivo, já que aproximadamente 500 mil pessoas passam por ela, permite uma interação com o campo de maneira informal. Na “Fazendinha”, um espaço construído pela Extensão Rural com vários parceiros do ensino e da pesquisa, é possível conhecer de perto as inovações conversando, batendo um papo gostoso com os extensionistas e pesquisadores de plantão. Há ali, inclusive, muitos alunos da UEM, que atuam como voluntários para contribuírem nesse processo de desenvolvimento sustentável e de divulgação da ciência”, explicou Michellon.

A Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) é uma das parceiras da UEM na Feira, em diferentes edições. Afinal, é uma das grandes incentivadoras de projetos ligados à ciência, tecnologia e ensino superior, no nosso Estado. Mas, a Superintendência não apoia apenas as instituições de ensino. Na edição de 2007, por exemplo, abriu espaço para a participação de outras entidades importantes como o Simepar e o Tecpar. 

Na ocasião, Ieda Pscheidt, da área de pesquisa do Simepar, apresentou diversos produtos fornecidos pelo Instituto, como previsões meteorológicas e climáticas. Segundo Ieda, a participação do Simepar na Expoingá fez com que as pessoas pudessem conhecer os inúmeros serviços fornecidos pelo Instituição na área da agricultura. “São informações que auxiliam o agricultor no plantio e na colheita. Com isso eles podem, por exemplo, se prevenir de uma geada”, afirmou Ieda.

Apoiando a formação de profissionais

Mas não é só do campo que trata a participação da UEM na Expoingá. Em 2019, no último dia da programação, servidores do Hospital Universitário de Maringá (HUM), ligado à UEM, levaram informação sobre voluntariado e doenças contagiosas às pessoas que visitaram o estande da Universidade. 

Durante a semana anterior, o Banco de Leite Humano (BLH) passou uma tarde inteira na Feira chamando atenção para a importância da amamentação e sobre o trabalho que faz para garantir esse alimento a crianças prematuras das unidades de terapia intensiva de Maringá e região. Sem contar que o pessoal do Hemocentro Regional de Maringá, um setor importante do HUM, tirou dúvidas sobre doação de sangue, doação de medula óssea e transfusão sanguínea.

Na mesma edição da Expoingá, a estudante de Maringá, Josimara Biasoli, disse que “é importante a participação de órgãos públicos, numa feira de agropecuária, para que a população possa saber mais sobre o que vem acontecendo no Estado. Conhecer as faculdades e universidades estaduais e os institutos de pesquisa fizeram com que eu ampliasse meus conhecimentos como cidadã”, afirmou a graduanda. 

Com isso, a gente pode ver que os dias de realização da Expoingá são uma oportunidade importante para estudantes universitários. Especialmente, para aqueles dos cursos ligados ao setor produtivo, como Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia e Engenharia Agrícola, além de outras áreas menos comuns no ambiente do agronegócio, como da Comunicação, no apoio às ações de divulgação do evento. 

Segundo a Sociedade Rural de Maringá, na Expoingá 2019, cerca de 250 estagiários auxiliaram os técnicos da SRM, na maior parte das atividades que ocorreram no interior do parque de exposição. 

“Eu não fazia a mínima ideia do quanto minha futura profissão tem a ver com tomar um bom cafezinho”, disse, na ocasião, Gabriel Boldrin, de 20 anos, aluno de Agronomia da UEM. “O trabalho do agrônomo não se limita ao plantio e cuidados com a cultura, vai além, tem tudo a ver com qualidade, métodos de colheita, seleção de grãos, secagem, classificação, torra, até mesmo, com a forma de preparo na hora de beber”. Gabriel trabalhou lado a lado com o biólogo Dalton Shiguer Ito e o engenheiro agrônomo Gustavo Cera, duas referências de quando se fala em cafés de qualidade no Paraná. Aprendeu muito!

Luana Alda de Oliveira, 22 anos, aluna do 3º ano de Zootecnia da UEM, moradora de Nova Esperança, e sua amiga Ana Julia Faccioli Sordi, 18 anos, de Doutor Camargo e aluna do 1º ano de Zoo, tiveram a oportunidade de descansar encostadas em um nelore que pesa quatro vezes mais do que as duas juntas. Foi uma experiência inédita para quem, até aquele momento, estudava tudo sobre bovinos, mas não tinha contato com eles.

Luana Alda de Oliveira e Ana Julia Faccioli Sordi (Arquivo pessoal)

“Não somos de famílias de pecuaristas, por isso, não tínhamos contato com animais, mesmo estando em um curso que trabalha o desenvolvimento animal. A Expoingá é a grande oportunidade para colocarmos o conhecimento em prática”, disse Luana.

Para confirmar o que estamos falando, é bom ler o que disse o diretor de Pecuária da Sociedade Rural de Maringá, Jucival Pereira de Sá. “O estágio na Expoingá é um dos grandes momentos da vida acadêmica para os futuros profissionais do setor produtivo”. 

Sá estagiou na exposição de Maringá em todos os anos de seu curso na UEM, na década de 1980. Depois, como profissional formado, conduziu o estágio da jovem estudante Maria Iraclézia de Araújo, também na Expoingá, que é, hoje, presidente da Sociedade Rural. “Ela ficou boa e é o que é porque foi minha estagiária”, brincou Jucival.

Depois de ser citada pelo colega de SRM, Maria Iraclézia conversou com o C², também. A presidente da Sociedade Rural disse que a Expoingá é um campo de novos conhecimentos, inovação, ciência e tecnologia, que agrega valor não só ao agronegócio, mas a diversas áreas afins e na formação de profissionais.  

Maria Iraclézia (Ivan Amorim)

“Ao mesmo tempo em que fomenta o desenvolvimento da agricultura e pecuária,  a  Feira é um amplo espaço para troca de informações, aprendizado e exposição das últimas novidades apresentadas pela ciência e pesquisa. Ali, milhares de pessoas têm a oportunidade de entrar em contato com essas informações e melhorar as suas atividades, tanto no campo quanto na cidade.  Mas, também, é um cenário bastante rico, em que muitos estudantes aproveitam para estagiar e colocar em prática os seus conhecimentos, assim como já aconteceu comigo um dia”, concluiu Iraclézia.

É isso, ciência e conhecimento também estão na feira. É só ir lá buscar!

Glossário

Simepar – é uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo prover a sociedade de dados, previsões e serviços de natureza meteorológica, hidrológica, ambiental e promover a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico nas áreas das ciências atmosféricas ambientais.

TECPAR – Instituto de Tecnologia do Paraná é uma empresa pública que atua em pesquisa, para oferecer soluções tecnológicas às empresas em diferentes áreas, especialmente, a da saúde

O conteúdo desta página foi produzido por

Texto: Ana Paula Machado Velho
Arte: Murilo Mokwa
Supervisão de Arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior


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